12 de mar. de 2018

#Cinema - 15h17: Trem para Paris

Nós fomos convidadas para assistir ao novo filme do Clint Eastwood. Prontamente, corri para procurar o Trailer. Hum, soldados americanos lutando com um imigrante marroquino num atentado terrorista dentro de um trem europeu. Nada de novo no front. E é exatamente aqui que começa a nossa história. Neste ponto cardeal que é aquilo que consideramos rotineiro e que não nos colocamos para questionar.

Hoje é a estreia oficial para o público. Logo pela manhã, abri o jornal e li uma crítica de um colega jornalista decepcionado em muitas questões com este filme. Ao contrário de mim, ele buscava o heroísmo dos soldados, super poderes, uma jornada completa do herói... Segundo o escritor, era difícil encontrar Clint Eastwood e suas histórias de força. Tudo que encontrou foram perdedores como protagonistas. Me doeu um tanto saber que muitas pessoas serão guiadas até o cinema por aquela resenha tão rasa quanto o olhar de seu autor sobre o filme. 

trem para paris filme



Depois de assistí-lo, questionei inclusive o trailer que me deu apenas aquela pista de cinema hollywoodiano em seu formato mais certeiro, num primeiro momento. Mas logo cheguei à conclusão que tem tanto para se extrair desta história que entregá-la assim, em 3 minutos, seria uma pena. E que sorte a minha ter me permitido passar questionando o mundo e a mim mesma em quase duas horas.

Assista ao Trailer



O filme é inspirado na história real de Spencer, Anthony e Alek, três amigos que cresceram juntos na Califórnia e que quando adultos decidiram por fazer um mochilão pela Europa, situação esta em que ocorre o atentado terrorista e o heroísmo deles. O filme é estrelado por Spencer, Anthony e Alek, nenhum deles ator, interpretando a si mesmos. Primeira delicadeza e grande desafio deste diretor.

Os três protagonistas, antes de desarmarem o marroquino e serem condecorados pelo presidente francês, eram crianças fora dos padrões. Spencer, Alek e Anthony estudaram juntos, na mesma escola cristã. Entre muitas idas à diretoria, acabaram se conhecendo e ficando amigos. Eles não se encaixavam em absolutamente nada daquilo que lhes era proposto e considerado como primordial numa educação, eles nunca eram escolhidos na hora de tirar time, sofriam diversos bullyings.

Na trajetória deles, podemos extrair muita, mas muita coisa. Comecemos pelo conceito de família. O núcleo familiar de Spencer e Alek formado apenas por eles e suas mães, estas mulheres fortes tentando fazer seu melhor na criação dos filhos e o tempo todo sendo questionadas pela falta da figura masculina em suas vidas e carregando o estigma preconceituoso de mães solteiras. Em muitos momentos é possível ver como a maternidade é solitária. Além disso, a família negra de Anthony é pouquíssimo citada e só aparece no final.

Outra densidade imprescindível da vida e do enredo do filme é o conceito que temos sobre inteligência, sobre o tempo de assimilação e visão do outro sobre o mundo. É sobre estas caixinhas cheias de etiquetas que criamos para padronizar toda uma humanidade sem levarmos em consideração a riqueza das nossas diversidades e subjetividades. 

A escola Cristã, cheia de dogmas, os apartava daquele universo, sugeriu às mães que entregassem os meninos aos pais para que tivessem uma educação decente, davam a elas não um acolhimento, mas um estado civil diante de suas maternagens. A escola, em geral, sem compreender a subjetividade deles, indicou às famílias uma medicalização diante de um diagnóstico precipitado de transtorno de atenção sem considerar as questões de cada um. Daquilo que se apregoa como inteligência, nenhum deles possui qualquer que fosse. 

Eles cresceram e continuaram não se encaixando. Não desta maneira  que entendemos como certa.

O filme não é sobre três heróis americanos. Ele é sobre três homens que personificam tudo aquilo que é urgente discutirmos. É sobre três pessoas consideradas como loosers que aos olhos do mundo viraram heróis por acaso, que são medíocres, assim com descrito pelo colega. Eu não vejo isso. Eu vejo história, eu vejo uma inteligência afetiva grandiosa, eu vejo a empatia como ponto principal neles.

O que Clint fez não foi contar um ato heroico, foi mostrar quem estava por trás dele. Poderia ser um filho seu, um irmão, você mesmo, um aluno... A beleza deste filme se encontra no exato momento em que a gente percebe que estamos falando de qualquer um de nós e o incomodo sobre ele reside em ter no cinema, pro mundo todo, aqueles a quem consideramos como perdedores.

Assistam e contem pra gente o que acharam.



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